Há séculos que o sertanejo se depara com as dificuldades provocadas pela
falta das chuvas. O homem do Sertão, após tantas secas, aprendeu a
conviver com o fenômeno?
Convivência com a Seca
NELSON MARTINS
Secretário do Desenvolvimento Agrário do Estado do Ceará
O homem do campo está aprendendo a conviver com a seca e o Governo do
Estado, através da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), está
buscando diversas parcerias para tornar pacífica essa convivência.
Através de convênio com o Ministério do Des. Social e Combate à Fome
(MDS) estamos universalizando o abastecimento d’água com o Programa de
Cisternas para os trabalhadores acumularem água para beber e cozinhar,
quintais produtivos, que permitirão a produção das famílias.No próximo
dia 20 de novembro, o Estado do Ceará vai assinar com o Banco Mundial o
contrato de empréstimo de R$ 300 milhões para investimentos no Projeto
São José III, que nesta etapa investirá na capacitação dos agricultores
familiares e em sistemas de abastecimento d’água. Essas são ações que a
SDA está executando para garantir a convivência com a seca através da
geração de trabalho e renda, garantindo oportunidades de produção no
meio rural, mesmo com a estiagem.
MOISÉS BRAZ RICARDO
Pres.da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Ceará
Convivência com o semiárido não é a política de combate à seca que vem
sendo implementada desde 1880, quando dom Pedro II autorizou a
construção do açude Cedro, em Quixadá; quando em 1909 foi criado o
Dnocs; em 1959, a Sudene; em 1967, o BNB; além de universidades, da
Embrapa, do Instituto Nacional do Semiárido, todos, para fomentar o
combate e não a convivência. O homem e a mulher do campo têm demonstrado
que estão aprendendo a conviver com o semiárido sim! As tecnologias
alternativas como os quintais produtivos, as casas de sementes, a
criação de pequenos animais e outras tecnologias apropriadas demonstram
isso. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e
a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) têm materializado propostas
que nos possibilitam afirmar a convivência é possível! Porém,
agricultores(as) e suas organizações precisam cobrar que o estado
fomente políticas públicas de convivência com o semiárido e não de
combate à seca.
CARLOS BEZERRA
Vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará
Não. A tradição ainda predomina na consciência do morador do sertão,
para quem a seca é um fenômeno devastador, pensamento que tem origem em
seus ancestrais. O sertanejo é um pouco cético, ainda, com relação às
práticas modernas de tecnologia. Apesar de que, hoje, a tecnologia já
possa proporcionar condições para uma convivência com as situações
climáticas que, por serem, cíclicas, sempre nos importunam. Mesmo com
toda infraestrutura hídrica construída no Ceará, nos últimos 25 anos,
ou, ainda, com as tecnologias disseminadas através das empresas de
Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), o homem do campo precisa
desaprender para aprender a conviver no semiárido, necessitando,
portanto, de uma mudança de hábito, de cultura, por meio das práticas de
conservação de alimentação animal e do uso das práticas
conservacionistas do solo e da água, dentre outras. O homem, para mudar,
tem que se capacitar.
PE. JEFFERSON CARNEIRO DA SILVA
Ass. da Comissão Pastoral da Terra no CE e da Escola Família Agrícola Dom Fragoso
Ao contrário da matemática, os resultados das relações da humanidade
com a natureza e consigo não são exatos. Frutos de muitas influências,
homens e mulheres do Sertão avançam e regridem no seu jeito de viver.
Acreditam, aprendem, desenvolvem novas técnicas e, assim, avançam. Em
nossa região, Crateús (Sertão dos Inhamuns), expande-se o Projeto de
Educação Contextualizada, as Escolas Camponesas, a Escola Família
Agrícola de Independência, como instrumentos que estão oferecendo uma
nova visão da vida no campo. A diversidade de experiências de
agricultura familiar, de armazenamento e reaproveitamento das águas,
preparação e uso de defensivos naturais ajudando a conter o
envenenamento da vida, as feiras da agricultura camponesa/orgânica, a
adaptação do criatório de animais de médio e pequeno porte dão sinais de
que a relação do sertanejo com a seca vem, crescentemente, mudando,
oferecendo-lhe condições para não deixar o sertão.
Jornalista. Editora executiva do Núcleo Cotidiano do O POVO
Quando ando pelo sertão cearense nesta época do ano e vejo a paisagem
tórrida da caatinga, percebo o quanto é difícil conviver nesta área
cinza e ao mesmo tempo de uma beleza ímpar. Quando vejo as cisternas
próximas às casas, o verde que vem da irrigação, as pequenas iniciativas
que nascem da criatividade do sertanejo, descubro que ele já sabe
conviver com aquela paisagem. Compreendo que, hoje, o trabalhador rural
entende que não pode depender só da natureza que manda chuva. Percebo
que já existem diversas maneiras de conviver com as dificuldades do
semiárido. Basta ter recurso, financiamento, assistência técnica e, mais
importante, um pouco de água. É só seguir o exemplo dos perímetros
irrigados, que hoje são considerados oásis no meio do sertão. Produzem
alimentos durante o ano inteiro. Fornecem merenda para escolas do
Interior. É assim que o sertão deve ser. É assim que um dia será.
Vigário da Paróquia de Canindé
Já tenho quase cem anos (87) e vejo que, no passado, o camponês não
sabia conviver com a seca comum. Não se prevenia, não calculava a
relação "pasto-rebanho" e aí tinha prejuízos às vezes totais, por
imprevidência. Hoje, o homem do campo calcula quanto pode conservar de
seus pertences semoventes, a partir do registro pluviométrico e da água
acumulada. Daí, com tempo, antes que os bichos emagreçam e percam valor,
vende o que prevê não ser sustentável na travessia. Também o Governo
ensinou quanto vale reter as águas aluviais ou profundas. Acrescente-se a
ajuda do serviço de meteorologia que faz prever a futura queda de
chuvas. Mas isto não é tudo. Com seca de três anos não há quem saiba e
possa conviver. Este ano, aconteceu em Canindé de não chover para tirar
as folhas das grotas enquanto na vizinhança, na bacia de Quixeramobim,
houve chuva de mais de cem milímetros: fez água, mas não fez pasto.
Fonte: Jornal OPovo